domingo, 4 de janeiro de 2009

Casual.

Era domingo. Betina acordou como se aquele dia fosse o primeiro de uma férias loucamente emocionante alternada com o "start" de mais um capítulo para um romance surreal e proibidinho.
As meninas se encontrariam à noite, num horário e lugar ainda não definidos. Mas ambas estavam cientes que o encontro nao seria a dois, e que elas precisariam ser mais discreta que de costume.
Era fim de ano, e por motivos natalinos o shopping estava aberto e Betina combinara com sua mãe de passar a tarde explorando-o, e assim foi.
Betina passava por cada vitrine pensando em alguma coisa que causasse mais emoção qe ler "I have insane thoughts about love" numa blusa, mas suas economias já haviam sido aplicadas, e ela sentia uma certa confiança imersa naquele misto de geometria psicodélica e frase em inglês.
Betina foi à loja que era uma das três preferidas da Sofia, na qual tinha comprado a blusa, para ver se lhe agradava alguma coisa, já que sua mãe estava ali para bancar, mas ela não esperava que o que pudesse lhe agradar naquele lugar não seria roupas ou qualquer tipo de objeto, mas sim a surpresa da presença de uma pessoa, a Sofia.
Elas se abraçaram, foi um abraço sincero, como se quisessem acabar com uma saudade que estava acumulada a mais de quinze dias, uma saudade de duraria até a noite se não fosse por um acaso.
Sofia cumprimentou a mãe da Betina, que por sinal a adorava, e as apresentou a uma amiga, a Elisa.

O entrosamento das meninas na loja não foi muito severo, talvez pelo motivo de cada uma já estar com uma companhia que necessariamente não poderia perceber climas, e por cada uma estar escolhendo sua roupa, individualmente.
Passaram-se 15 minutos. Sofia disse à Betina que iria em casa deixar suas compras, mas que voltaria logo, para encontrá-la ainda ali.
Cerca de uma hora depois, elas se reencontram numa loja...
- Já estou a meia hora te procurando!

- Porque não ligou?
Sofia teve uma reação automática em relação à pergunta da Betina, levantou a mão como se quisesse mostrar o que estava fazendo antes de encontrá-la ali, e o que tinha em sua mão era o celular, com o número da Betina discado.
-Onde está a Elisa?
-Ah, encontrou com seus pais e ficou por lá.
Sofia respondeu aquilo como se quisesse que a mesma coisa, ou algo parecido acontecesse com a mãe de sua menina, para que a tarde, o passeio no shopping e tudo mais fosse um momento delas, e só delas.
Mas tudo bem.
Elas foram de loja em loja, até perceber que estavam a uma hora do encontro para a comemoração do aniversário da Sofia.
- Minha casa é bem perto, se arrume lá, e voce pode ir comigo. - sugeriu Sofia
- Ah, mas eu nem trouxe roupas...
- Qual o problema? Eu posso te emprestar as minhas!
- Ah, melhor eu me arrumar em casa mesmo, prometo ser pontual.
Sofia teve de aceitar, e então elas se despediram, inclusive a mãe da Betina, e foram embora.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Intermediário.

Antes de se encontrarem pela terceira vez depois daquele dia que idealizaram um pseudo-relacionamento, houve uma certa troca de ligações, mensagens, sonhos e anciedade.
Foram duas semanas longas e fofas, que ficaram pensando uma na outra, e só pensando.
O grande dia seria um domingo, mas não um domingo como os outros, seria o aniversário da Sofia.
Foi um dilema escolher o presente, já que ela deixara tão claro que fazia questão de receber, e que esperava alguma coisa interessante quando disse que queria surpresa. Mas por mais complicado que fosse, Betina não perderia a oportunidade de agradá-la.
Tudo bem.
Acabou chegando a conclusão de que uma blusa de uma de suas três grifes preferidas (coca, colcci e cavalera) a agradaria.
Era uma blusa interessante, preto e branca, com uma geometria psicodélica que sobrepunha na frase "I have insane thoughts about love".

Sobre a Betina*

Ela sempre quis colocar sua vida em ordem - por mais normal que estivesse -, sempre achou desperdício guardar potes de informação para si mesma. Queria realizar o fetiche de se despir de maneira que não se ridicularizasse. É estranho e banal explicar. Aquela garota era como queria ser, de acordo com os padrões de exigência familiar, mas não se importava, jamais. Aquela garota era como queria ser.
Levantava da cama, de madugada, vestindo uma calcinha boxer e uma regata, sem sono e com sede, ia na cozinha e, se não achasse um copo, bebia na boca das garrafas d'água que ficavam na geladeira, torcendo para que alguém passasse e visse pela janela aquela cena sexy e porca.
Ela adorava sair de casa, em dias nublados, e entrar em um ônibus, usando um de seus óculos de sol chamativos e ser tema dos comentários. Brega. Ela precisava ser brega as vezes. Combinar uma melissa vermelha, uma bolsa em vinil vermelho e dizer que odiava patricisse. Mas isso não tem muito a ver. Vivia dizendo que era homem, mas não passava de uma bi, passiva. E nem homem ela era! Ridículo esse fato. Ela queria a atenção que ela não queria.
Se sentia grandiosa em querer ler o dicionário inteiro só para falar palavras difíceis e parecer intelectual. Mas ela se interessava. Ela queria ser natural, expontânea talvez. Por mais ridícula que se sentisse em contar uma piada sem graça. Mas o simples fato de ela própria achar a graça, se sentia satisfeita. Ela era assim. Ela é assim. Ela quer ser assim.
Ela não queria mais ter que esconder seus piercings de seus pais. Seduzir seus primos - ou tentava - com as argolinhas em seus mamilos, e só seduzir. Ela queria apresentar um namorado para seus pais, e continuar amando sua namoradinha. Viver comprando cigarros caros para oferecer aos seus amigos, vomitando porre na casa de mocinhas, e chegar em casa com a cara mais lavada do mundo. Quer morar em cidade grande para que ninguém a reconheça. E aos seus 32 anos, ter um marido, um filho e uma amante. E depois, só o filho. Talvez a amante também.
Mas antes dessa vida garbosa e cheia de amarguras, ela só quer uma coisa que torne sua adolescência um pouco mais afude. Uma coisa do gênero feminino, cobiçada por homens casados e adolescentes maduros, essa coisa é simples. Talvez liberdade.

Escarlate, piercing, shopping, chopp, beijinho, riso.

Seis dias subsequentes, Sofia estava de volta,com as unhas pintadas num mesmo tom escarlate que a deixasse mais sexy possível, e usando um vestidinho-sem-alças que de longe aparentava ser de um tom acinzentado, que se resultava num misto de listas preto e brancas, que podiam ser vistos de perto.
Se encontraram num bairro movimentado por bares e shoppings e foram andando sem destino e conversando a respeito de um romântico piercing de compromisso - que seria no mamilo - que Betina havia proposto, mas que por fim, só ela mesma colocou.
Ao sair do body piercer, duas meninas iam de braços dados em direção ao shopping, como se quisessem aparentar ser amigas - e só amigas - o que de fato conseguiam. Entravam e saíam de lojas que julgavam legais, e quando perceberam que exploraram o que havia de bom naquele lugar, foram embora dali, ambas com sede de um chopp.
Escolheram uma mesa e sentaram no Deck, um lounge que Sofia costumava ir quando ainda morava naquela cidade, elas se sentiam bem naquele bar, e Betina sabia que apesar de seus dezesseis anos, não precisava de identidade para beber ali. Pediram um chopp, digo, dois.
Conversavam sobre tudo aquilo que evitaram (por motivos desconhecidos) falar uma com a outra durante aqueles cinco anos que se viam, e não se conheciam. Pediram mais dois canecos. Conversaram sobre o que ambas esperavam - ou não - daquele relacionamento, e cada uma se deu por conta do quanto tudo era perpendicularmente recíproco.

Algum celular tocou involuntariamente por alguns segundos uma música inconfundivelmente do Yeah Yeah Yeahs. Era o pai da Betina, esperando-a na esquina.
Ela pagou a conta que Sofia pretendia dividir, e foram rapidamente em direção ao carro branco, antes que o pai da Betina se enfurecesse (o que podia acontecer numa fração de segundos).
Pararam o carro próximo a casa da "amiga", e com um abraço e um beijinho elas se despediram.

-Ligue, mande mensagem, faça alguma coisa. - disse sofia.
Betina riu e entrou na porta da frente do carro branco.

O "até logo" das nádegas.

Quando Betina acordou pela segunda vez naquela mesma manhã nublada e fria, levantou e viu a carteira vermelha de coraçãozinhos e o cartão do táxi intactos sobre a cabeceira da cama, fechou os olhos, e com um leve sorriso de alívio recordou daquilo que parecia ter sido um sonho.
Afastou o que apoiava a porta de maçaneta invisível e com um mísero passo à direita, ela admirava um conjunto de maquiagem borrada e semi-olheiras através do espelho do banheiro de visitas. Abriu a torneira de água fria com o intuito de lavar o rosto, fechou os olhos antes de se curvar contra o lavabo, e, foi inevitável sentir o abraço e o beijinho de semi-namorada que recebeu antes de vê-la fechar um guarda chuva preto que a evitava de um sereno compacto que a manhã cantava, e entrar pela porta de trás do taxi.
Ela não achou necessário dizer algo, sequer ouvir; sentir aquele abraço, aquele beijinho e ver aquele jogo sincronizado de suas nádegas sob um vestidinho preto de bolas coloridas lhe dando um "até logo", foi mais que suficiente, depois daquela tenra madrugada de coalas.